O dia 14 de novembro foi escolhido para comemorar o Dia Mundial do Diabetes com a finalidade de conscientização a respeito dos reflexos do diabetes sobre saúde da população.
Apesar de muito prevalente, muitas pessoas ainda possuem conceitos equivocados sobre esta doença crônica, progressiva e incapacitante.
Dados recentes mostram uma prevalência de até 9% da população brasileira vivendo com diabetes, com aumento a cada década.
Atualmente nosso país ocupa a sexta posição mundial em número de pessoas acometidas pela doença, com previsão de chegar a 643 milhões em 2030 e a 784 milhões em 2045.
É imprescindível falar sobre diabetes pois uma infinidade de casos pode ser evitada a cada ano, prevenindo também incapacidades permanentes ou até mesmo mortes prematuras.
O diabetes é a terceira principal causa de mortalidade no Brasil, só perdendo para doenças cardíacas e neoplasias.
Com certeza você conhece uma pessoa que possui diabetes, mas você realmente sabe o que é esta doença?
A maioria das pessoas pensa no diabetes como um estado de excesso de glicose (açúcar) no organismo, mas, na verdade, isso é apenas uma consequência de um complexo mecanismo patológico.
De maneira simplificada, o diabetes mellitus é uma doença na qual o indivíduo não produz insulina ou não consegue utilizar adequadamente a insulina que produz. A insulina, por sua vez, é um hormônio produzido no pâncreas e é responsável por "buscar" a glicose que está na corrente sanguínea (adquirida através da alimentação) e carregá-la para dentro das células. Em uma pessoa sem diabetes, não importa quanto açúcar é ingerido, praticamente todo ele será captado e transportado para seus respectivos tecidos e órgãos para ser utilizado como substrato de energia. Quando se trata de uma pessoa portadora de diabetes, havendo falta de insulina ou déficit do seu funcionamento, grande parte da glicose ingerida permanece no sangue em altas concentrações e, consequentemente, em "falta” dentro das células. Se não dispomos de glicose (fonte de energia) dentro das células dos seus rins, por exemplo, você já pode imaginar que isso terá consequências no futuro.
Outra confusão bastante comum é sobre a classificação quanto aos tipos de diabetes. Existem vários tipos e estes são classificados de acordo com sua etiologia, os principais são o Diabetes Mellitus Tipo 1 e tipo 2, entretanto existem subtipos menos frequentes.
O Diabetes Mellitus tipo 1 (DM1) é uma doença auto-imune, de início mais comum na infância, na qual há uma perda total da capacidade de produção de insulina por destruição das células beta pancreáticas (células responsáveis pela síntese de insulina). É uma doença de surgimento súbito e cujo tratamento deve ser iniciado imediatamente.
O Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) pode ter várias causas e comumente é diagnosticado em adultos e idosos. Neste caso, o pâncreas ainda é capaz de produz insulina, porém o indivíduo é acometido por um estado de "resistência insulínica", ou seja, a insulina não consegue agir adequadamente. Com o passar dos anos, o portador da doença pode desenvolver em um estado de deficiência de insulina. As principais causas do DM2 podem ser obesidade, história familiar de diabetes ou uso de medicações.
Outros tipos menos comuns são o Diabetes Gestacional, Diabetes secundário ao uso de medicamentos, Diabetes pós transplante de órgãos, MODY (maturity- onset diabetes of the young), LADA ( latent autoimmune diabetes of adulthood - uma variação do DM1 no adulto).
Quando suspeitar da doença?
O diabetes tipo 2, na maioria das vezes, manifesta-se como uma doença “silenciosa”, ou seja, não provoca sintomas nos primeiros anos de surgimento, por isso estima-se que até 50% das pessoas que possuem diabetes, ainda não saibam do diagnóstico. Quando descompensado, podem aparecer sintomas como aumento da sede ou da fome, aumento da frequência para urinar, fadiga, visão “borrada” ou emagrecimento inexplicado.
Já o Diabetes tipo 1, como falamos anteriormente, é uma doença de início e evolução rápidos, por isso é importante que os pais estejam atentos aos sintomas. Se a criança ou adolescente apresentar fadiga, sonolência, emagrecimento, aumento da sede ou da frequência para urinar, dor abdominal e vômitos de início súbito e sem causa aparente devem ser levadas a um serviço de emergência com a maior brevidade possível.
Qualquer glicemia elevada confirma o diabetes?
O diagnóstico de diabetes é confirmado sempre com base em exames de sangue e, assim que confirmado, deve ser prontamente tratado. Duas medidas de glicemia de jejum maiores ou iguais a 126 mg/ml ou uma medida aleatória de glicemia acima de 200 mg/dl já confirma a doença. Outros testes diagnósticos estão citados na tabela abaixo.
TTOG: Teste de tolerância oral à glicose.
Não adie o início do tratamento.
O tratamento do diabetes atualmente visa muito além de manter os alvos de glicemia e evitar uma ampla variabilidade glicêmica (ou seja, extremos de glicemia), as terapias também buscam assegurar a prevenção de lesão em órgãos-alvo.
A escolha da terapia varia de acordo com o tipo de diabetes, porém todos os tipos exigem vigilância sobre a rotina alimentar. Todo paciente deve ser orientado a dar atenção especial à alimentação, especialmente sobre a densidade calórica dos alimentos, assim como às quantidades e qualidade dos carboidratos.
A prática de exercícios físicos deve ser incentivada em ambos os tipos de diabetes, mas é ainda mais importante no diabetes tipo 2, em razão do efeito sobre a melhorara da resistência insulínica e controle do peso.
O tratamento farmacológico também é escolhido de acordo com o tipo de diabetes. O diabetes tipo 1 exige início imediato e mandatório de insulina, bem como sua manutenção por toda vida. Para o controle do diabetes tipo 2 é importante individualizar a escolha da terapia. Estes pacientes não dependem necessariamente do uso de insulina para obter controle glicêmico.
Características como o tempo de vida com diabetes, status do controle da doença, presença de comorbidades associadas são alguns dos fatores a serem avaliados para a escolha do tratamento. Além disso, a cirurgia metabólica tem sido fortemente recomendada em casos selecionados, em decorrência de estudos demonstrando melhora da qualidade de vida, melhora de desfechos cardiovasculares e redução da mortalidade. Lembramos que chás ou fitoterápicos não tem qualquer respaldo na literatura para ser usados como tratamento do diabetes. Nenhum tratamento deve ser iniciado sem orientação médica.
Como previamente mencionado, o diabetes é uma doença crônica, no entanto, seu diagnóstico não deve ser encarado como uma sentença de morte. Atualmente com um conhecimento muito mais amplo sobre a doença e o surgimento de novas classes medicamentosas, o paciente com diabetes pode ter a mesma sobrevida de um paciente sem diabetes.
O diabetes tem cura?
Conceitualmente não falamos em “cura” do diabetes, mas nos casos de DM2 usamos o termo “controle" ou “remissão”. Obtemos o “controle" da doença quando o paciente atinge os alvos glicêmicos na vigência de tratamento farmacológico, por outro lado, denominamos “remissão” quando descrevemos o paciente com DM2 em estado de glicemia normal (ou próxima à normalidade) e que está sem terapia farmacológica há pelo menos 3 meses. O controle dietético intensivo associado à frequente prática de exercícios, bem como o emagrecimento podem levar à remissão do diabetes, além disso, a cirurgia metabólica tem se mostrado o tratamento mais eficaz para a remissão do DM2 - estudos documentaram uma taxa de 30-63% de remissão do DM2 entre 1 a 5 anos após Bypass Gástrico em Y de Roux (a técnica cirúrgica atualmente mais recomendada para o tratamento do diabetes).
O problema não vem sozinho
Muitas vezes por ser assintomático nos primeiros anos, o diabetes pode ser subestimado pelo pacientes levando a complicações a longo prazo. O descontrole crônico da doença leva a uma significativa piora na qualidade de vida e aumento da mortalidade às custas de doenças cardiovasculares, como infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, amputações, além de insuficiência renal, neuropatia (comprometimento neurológico) e retinopatia (acometimento ocular com risco de cegueira). Estima-se que no Brasil a média de anos de vida saudável perdidos entre pacientes DM1 diagnosticados por volta dos 10 anos de idade é de alarmantes 33,2 anos.
É possível prevenir o diabetes?
Infelizmente, até o momento, não sabemos como prevenir o DM1. Pesquisas tem avançado no sentindo de tentar identificar fatores que possam evitar ou retardar a destruição das células beta pancreáticas. Porém, ao contrário do que acontece no DM1, muito pode ser feito para prevenir o DM2.
O DPP (Diabetes Prevention Program) e DPPOS (U.S. Diabetes Prevention Program Outcomes Study) estão entre os maiores estudos realizados sobre prevenção do diabetes. O mesmos demonstraram uma redução de até 58% na incidência de diabetes em 3 anos e 27% em 15 anos, respectivamente, após intervenções intensivas no estilo de vida dos participantes. Os principais alvos das intervenções consistiam em redução de pelo menos 7% do peso corporal, associado a 150 minutos semanais de atividade física de moderada intensidade, alimentação com controle de calorias e distribuição de macronutrientes (proteinas, carboidratos e gorduras) de maneira individualizada.
Por fim, não podemos esquecer que o cuidado deve ser sempre centrado no paciente. Cada vez mais tem-se focado na individualização das metas e tratamentos, estas são estratégias essenciais para manter a adesão e garantir o controle do diabetes, satisfação do paciente, qualidade de vida e prevenção de outros problemas de saúde no futuro.
Artigo escrito e cedido pela Dra. Claudine Felden - Médica Endocrinologista e Metabologista - CRM 34.816
Especialização em Medicina Interna no Hospital de Clínicas de Porto Alegre – RQE: 27680
Especialização em Endocrinologia e Metabologia pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – RQE 27681
Pós-graduada em Nutrologia pela Associação Brasileira de Nutrologia
Membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
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